Este conto foi escrito pelo veteraníssimo jornalista Paulo Martins, apresentador do espaço de Ponto de Vista da TV Tarobá. Tal conto foi publicado em 2002, no jornal Gazeta do Paraná.
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Graça e Alfredo se conheceram, namoraram, noivaram e casaram, tudo dentro dos padrões ortodoxos da época - para que o leitor se situe - em que televisão restringia-se a Rio e São Paulo. O resto do Brasil apenas ouvia falar. Assim, os padrões de comportamento eram rigorosamente disciplinados e pulverizados pelo que chamam de moral, tudo fiscalizado, limitado, rigorosamente polido, pelo menos na aparência. Passou o tempo e a vida foi ficando monótona em razão das opções serem restritas. Graça e Alfredo acabaram fazendo amizade com o casal vizinho da esquerda e os quatro passaram a sair juntos.
Um baile aqui outro ali, joguinho de canastra durante as madrugadas de sábados para domingos e, quando pintava um feriado também ficavam animados, vislumbrando o lazer. Foram convivendo dessa forma e deixando o tempo passar. Cada casal já contava com um casalzinho de filhos e a Graça, certa noite, surpreendeu Alfredo com a informação de que estava grávida novamente. Alfredo fez um muxoxo e não ligou. Mais um filho ou menos um filho não fazia diferença.
Curioso é que Stela, a vizinha amiga, também ficara grávida e o Raul, seu marido, também fez um muxoxo quando soube e "deixou como estava para ver como é que ficava". Passou o tempo, a Graça teve um menino. A vizinha, Stela, quase na mesma época, recebeu da cegonha uma menina. O tempo foi passando e Graça e Alfredo resolveram mudar para um apartamento em outro bairro, afastando-se do vizinho casal de amigos. Mas os quatro continuaram se encontrando por algum tempo, em espaços que foram ficando mais elásticos, até que deixaram de se ver.
As duas crianças mais novas, uma de cada casal, cresceram, foram para colégios diferentes, estudaram, terminaram o segundo grau sem se conhecerem. Mas, pelos meandros do destino não serem instáveis, quis ele, destino, que os dois jovens fossem parar na mesma sala de uma faculdade para fazerem vestibular. E ali se conheceram, trocaram olhares, sorrisos, conversaram um pouco depois das provas e acharam que "havia algo mais" entre os dois. Passados alguns dias voltaram a se encontrar quando do resultado das provas. Receberam com euforia a notícia de que haviam passado no vestibular.
Festejaram e avançaram mais um pouco no contacto, dando as mãos, trocando numero de telefone e tudo mais foi questão de minutos. Início das aulas, o namoro começou a ficar mais sério. Juras, beijos, paixões etc. e eis que chegou o dia da garota convidar o rapaz a visitar sua casa. Lá vai ele, faceiro, para o jantar com os pais da menina. Na mesa, fala daqui, diz quem é o pai dali, informa sobre a mãe e eis a revelação da coincidência.
O jovem não era outro se não o filho da Graça e do Alfredo, aquele casal amigo que por muitos anos foi vizinho e que por tanto tempo mantiveram uma sólida amizade. Curioso é que Stela, ao saber a origem do jovem que pretendia casar com sua filha, ficou petrificada, perdeu o apetite na hora, entrou em depressão e alegando uma repentina dor de cabeça retirou-se para o quarto. Stela virou-se na cama a noite inteira e não conseguia dormir. Sentia que a filha estava apaixonada pelo jovem mas aquele casamento não poderia acontecer.
No outro dia, sonolenta e cansada por uma noite sem dormir Stela foi procurar o jovem e revelou a ele a razão pela qual o casamento não poderia se realizar. Quase demoliu a estrutura emocional do rapaz, informando a ele que quando era vizinha de seus pais tivera um romance secreto com Alfredo e ficara grávida. Raul, seu marido, pensava que a filha era dele. Mas só pensava. A garota, na realidade, também era filha de Alfredo, seu pai e por isso sua irmã. O impacto foi muito grande e o jovem ficou inconsolável.
Sem rumo, desorientado, pois se apaixonara perdidamente pela moça, não conseguia encontrar uma tábua, em meio a um oceano de angústia, que lhe pudesse salvar do afogamento e, como todos que se vêem diante de dilemas intransponíveis, tonto e sem rumo como se tivesse embriagado, não teve outro caminho se não o de jogar-se, aos prantos, nos braços da mãe e contar-lhe seu drama, embora comprometesse o próprio pai. Pacientemente a mãe do jovem ouviu o relato da situação do filho e, a certa altura, passando a mão sobre a face do filho, enxugando-lhe as lágrimas, proferiu a sentença salvadora.
- Não se preocupe, querido, pode casar com sua amada. Ela não é sua irmã. Você não é filho do Alfredo. Você é filho do Raul.
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